domingo, 12 de abril de 2009

(2009/157) "Tem alguém aí?" - PUC-SP vai tentar ouvir e gravar a voz de mortos


1. A notícia vem-me por meio do blog do Nassif. De posse das iniciais, busquei informações novas. A mestranda em Ciências da Religião da PUC-SP vai escrever uma dissertação sobre o tema "Transcomunicação: Interconectividade entre Múltiplas Realidades e a Convergência de Ciências para a Comprovação Científica da Comunicabilidade Interplanos” - trocando em miúdos: que os mortos podem, eventualmente, se comunicar com os vivos, fenômeno que pode ser gravado e, assim, comprovado "cientificamente". Nos termos com que a própria pesquisadora avalia a pesquisa: "é coisa de vanguarda", "uma mega-tese multidisciplinar".

2. Sonia Regina Rinaldi Basilise (lattes - ainda não consta a matrícula no mestrado da PUC-SP), a mestranda, é a responsável pelo site do IPATI - Instituto de Pesquisas Avançadas em Transcomunicação Instrumental (http://www.ipati.org/). Ali se anuncia a venda de seu mais novo livro: Gravando Vozes do Além. Segundo a pesquisadora, "nossa pesquisa tem por meta levantar evidências da sobrevivência após a morte e fazer isso de forma controlada para que possa enfrentar análises e investigações científicas". Mais do que isso, já que esse primeiro objetivo responde, apenas, às exigências da "epistemologica científica":

3. "Temos um objetivo humano, que poderia ser traduzido em auxiliar aqueles que perderam um ser querido – sem esquecer daqueles que estão do Outro Lado igualmente com suas dores e saudades, mas, principalmente, compartilhar com o objetivo dos nossos Superiores de trazer a comprovação da sobrevivência e, quem sabe, oferecer um novo rumo à Humanidade".

4. Da expressão "o objetivo dos nossos Superiores (é o) de trazer a comprovação da sobrevivência (da "alma")", depreende-se um espírito de "missão" - semelhante ao espírito de "missão" presente na teologia (sistemática) cristã. Na página principal do site, a pesquisa é apresentada como "um caminho orientado pelos nossos Maiores, e assim sendo, nos resta cumpri-lo da melhor forma". Não é apenas "coisa de vanguarda" - é do outro mundo!

5. Esse espírito de "missão" explicaria a razão pela qual a pesquisadora manteve-se firme diante da tentativa de a PUC-SP convencê-la a mudar a perspectiva da pesquisa, conforme entrevista concedida ao site da NovaE: "chegaram a me chamar na PUC para eu mudar minha tese, mas não aceitei. Tenho premência em conduzir a pesquisa conforme a proposta, pois minha tese não será simples – propus uma mega-tese multidisciplinar, pois já considerei o fato de que eu, sozinha, seria inapta para comprovar qualquer coisa. Propus a participação de engenheiros, físicos e matemáticos – todos com doutorado, para que sejam eles que avaliem, dentro dos parâmetros requeridos pela Ciência, que o fenômeno é real. A minha parte é levantar a ocorrência do fenômeno – a deles será endossar a autenticidade e – dentro das possibilidades –, tentar explicá-lo".

6. Bem, mais cedo ou mais tarde, ia dar nisso. Não seria absurdo se fôssemos surpreendidos com novas pesquisas nessa área da metafísica mitológica - eu, por exemplo, gostaria muito de acompanhar pesquisas para filmar o cordão-de-prata que, segundo Lobsang Terça-Feira Rampa, monge tibetano que migrou para o Ocidente na década de 40, liga a "alma" ao corpo, e fica à mostra, para quem disponha da terceira visão, quando da viagem astral do corpo-psíquico, quilômetros e quilômetros de cabos ectoplasmáticos espalhados pelo Cosmo, garantia de que a alma retornará, caso não se rompa. Passei minha adolescência lendo livros de Lobsang Rampa (também aquele sobre suas conversas com gatos), e meu imaginário fantástico está marcado por aquelas páginas, ao lado de Papai Noel e a mula-sem-cabeça. Também uma pesquisa para mapearem-se as categorias angelicais, desde as superiores, até as inferiores - uma sócio-biologia angelológica. O campo é fecundo! Há continentes inteiros a desbravar...

7. Alguém "cochilou" no departamento de Ciências da Religião da PUC-SP. Provavelmente, tentou-se corrigir a mancada, mas a pesquisadora não se fez de rogoda: sabe o que está fazendo, e vai levar sua missão até as últimas conseqüências - ordens "superiores"... Ela tem argumentos a seu favor: basta que faça ser lembrado que, no departamento de teologia da própria instituição, as cátedras de teologia ensinam, como "fato", não apenas a existência e a sobrevivência extra-corpórea da alma, mas, além disso, a existência de Deus, dos anjos, dos sacramentos, dos diabos, do céu, do inferno, do purgatório etecétera. Ora, por mais que a pesquisadora já creia no que ela pretenda "demonstrar", havemos de convir que, eplo menos, ela aceitou "investigar" o fenômeno - correndo o risco de dar com os burros n'água, ao passo que os teólogos da instituição sequer cogitam da possibiliade de pôr em dúvidas suas doutrinas milenares. Aliás, haverá um teólogo ou outro que deseje discutir com a pesquisadora não a existência dessas almas fantasmáticas, ponto pacífico para a teologia platônica, digo, cristã, mas a possibilidade de se comunicarem com os vivos, o que o teólogo retrucará que não, diante do que a pesquisadora poderá lembrar do caso de Saul e da necromante...

8. Nesse sentido, vá lá que seja cômica a situação - o departamento de Ciências da Religião da PUC-SP se prepare para ser alvo de muita sátira (mas é só dar tempo ao temo que passa) -, mas, admitamos, que é de direito da pesquisadora estudar sua crença, já que umbandistas, em São Paulo, karcecistas, em Curitiba, e cristãos, no Brasil inteiro, ensinam - e no MEC - sua mitologia metafísica como "ciência". Se uns podem, todos também. Mas que a Universidade vai virar um circo de horrores, vai - e não pelos assuntos em si, mas pelo despropósito de se insistir em que haja um grão de cientificidade quer numa coisa, quer noutra.


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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