terça-feira, 13 de dezembro de 2011

(2011/538) Do que roubamos de Deus e dos anjos


1. Dos anjos, roubamos os sexos. A coisa é grave. Quando falamos "anjo", duvido que não nos venha à mente aquela coisa medieval, loira, de asas de ganso ou cisne, olhos de cor européia, forma grega... Anjos. Vestem túnicas, nessas representações, mas são... eunucos.

2. Mas não eram assim, antigamente. Gn 6,1-4 - a despeito das "exegeses acomodadoras da tradição" -, conhece uma antiga mitologia de sexo entre "anjos" e mulheres. É uma antiga tradição, que está por trás (sem trocadilhos!) do nascimento de Hércules e, até, de Jesus: os seres divinos - deuses, anjos - podem "conhecer" (em sentido bíblico), as mulheres.

3. Um - agora - apócrifo, Enoque, tomou essa passagem e fez, com ela, um famoso midraxe judaico, explicando, por inflação, criatividade e necessidade que foi aí e então, quando os "anjos" desceram dos céus a deitarem-se com as filhas de Eva, que aproveitaram e lhes ensinaram as "macumbarias".

4. Judas conhece Enoque e o cita com autoridade. Naqueles tempos, os anjos tinham, então, com o que se deitar com mulheres.

5. Pois bem, grande parte da tradição da Igreja castrou esses anjos, talvez para evitar cultos orgiásticos, cuja liturgia era encenada, certamente, pelos "anjos" das igrejas, conhecidos das Cartas de Apocalipse... Ali se emascularam anjos, expulsaram pessoas (gnósticas) e se excluíram livros sagrados ("apócrifos") - refiro-me à parte da crise gnóstica, essa, por trás de Judas.

6. Mas, na Idade Média, o imaginário cristão devolveu genitais aos anjos - e, agora, também às anjas. Íncubos e Súbucos visitavam muitas camas noturnas, provocando suores e gozos nas madrugadas européias, iluminadadas pelas fogueiras, que não eram de São João...

7. Mas, passou. Os anjos de hoje são andróginos, de novo, como o quis a boa prática cristã contra-gnóstica. Exceto aquelas anjinhas de vagina e barriga prenha da Igreja Matriz de Santo Antonio, em Tiradentes, Minas Gerais, impudicas, com as vergonhazinhas, pequenas, também elas, as anjinhas, esculpidas pelos cantos superiores das paredes da nave...

8. E de Deus, o que roubamos? Curiosamente, as duas histórias estão unidas. Antes de os judeus inventarem os demônios, a partir de Gn 6,1-4, seu Deus, Yahweh, podia fazer tanto o bem quanto o mau. Quem tem um Deus assim, que faz o bem e o mau, não precisa de crer em diabos, porque os diabos são explicações para uma fé que pensa que Deus faz apenas o bem, mas não o mau, mas como o mau acontece mais vezes do que o bem, então se precisa de uma explicação - os diabos! - para o mau, já que não pode ser um Deus que só faz o bem...

9. Não se castrou, literalmente, Deus. Alegoricamente, sim: era o Leão de Judá. Agora, o Gatinho de Roma/Wittenberg... Rugia, agora, mia. Isso foi há 2,5 mil anos, em Jerusalém. Corte profundo na alma daquele Deus de abrir barriga de grávidas, e tanto, que Marcião, comparando-o com o Deus de Jesus, negou que fossem o mesmo. Em certo sentido, era. Em certo sentido, não era.

10. E lá se vão, Deus e seus anjos, cada um roubado de uma parte preciosa de sua constituição - um, a capacidade de fazer desgraças e ser, por isso, Todo-Poderoso; os outros, bem, devem estar a chorar até hoje, coitados, eunucos, sendo as mulheres, admitamos, tão interessantes... Quem terá perdido mais? Deus, os anjos... ou as mulheres?



OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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