segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

(2012/113) O que você diria se eu dissesse que todo evangélico brasileiro é liberal e marxista ao mesmo tempo?



1. Bem, o "todo" é um caso de hipérbole retórica. Deveria haver um "quase" ali. Porque sempre haverá exceção, ainda que dois ou três casos. Eu não saberia exatamente dizer se há exceção a essa regra que estou estabelecendo - todo evangélico brasileiro é liberal e marxista ao mesmo tempo. Não sei se há alguém que não. Mas convém à sanidade e à prudência pôr, aí, um "quase". E ponho, ainda que na dúvida se devia: "(quase) todo brasileiro é liberal e marxista ao mesmo tempo".

2. Não é que o evangélico brasileiro saia pelas ruas a levantar bandeiras liberais e marxistas, nem que, perguntado pelo IBGE, responderá que se trata de um liberal e marxista. Pelo contrário! Se lhe dizem que é um liberal, ele faz o sinal da cruz, e, ai meu Deus!, se lhe dizem que é um marxista, ele é capaz de perder a compostura...

3. Logo se vê, pois, que estou tomando apenas um aspecto do ser liberal e do ser marxista, um de cada, que vejo no evangélico brasileiro, e explicitando isso que vejo. De modo que esse sujeito é um evangélico. Ponto. Não é um liberal ou um marxista. Sua identidade assume-se como evangélica. E o é. Todavia, sendo isso que é, evangélica, é, ao mesmo tempo, em certo aspecto - e dos mais relevantes! - liberal e marxista.

4. Quando ao aspecto liberal, basta observá-lo no culto. Ele se emociona. Sim, pois é humano. Não se trata da emoção em si, mas de como interpreta isso e como instrumentaliza essa emoção. Porque ele se emociona no culto, ele, então, interpreta que essa emoção é resultado da presença de Deus e, num gesto liberal, toma essa "experiência" como demonstração e prova de sua relação com esse Deus que se manifesta por meio da emoção.

5. A garantia que o evangélico se dá é a sua "experiência" - naturalmente que essa experiência interpretada sob o regime dos cânones de sua comunidade. Mesmo o mais frio dos tradicionais o faz - com lágrimas contidas e palpitações envergonhadas. Goza, em silêncio, a visita do Criador. Já os neo-ultra-mega-carismáticos, ah, esses não têm um grama de constrangimento em expor suas emoções - e quanto mais, melhor - como demonstração inequívoca da visita do Espírito!

6. Eles não sabem. Têm os liberais em conta de hereges e coisas assim. Mas são tão liberais quanto os liberais que condenam. E talvez mais - porque eles acreditam realmente...

7. Nisso, então, no fato de tomarem suas experiências subjetivas e emocionais como prova da ação de Deus, nisso são liberais. E em que são marxistas?

8. Isso eu disse no post anterior. Aqui, apenas repiso mais ligeiramente: acreditam que a religião, a fé, a teologia, têm de ser experimentadas assim, da fé cega e acrítica (prova de fidelidade), na emoção contida ou irrefreada (prova de espiritualidade), na experiência e na crença de mitologias metafísicas. Eles entendem, realmente, que, se não for assim, tudo acaba, o vazio se instala, a fé se evapora, Deus, some. São marxistas - a religião é, para eles, um ópio, um barato, sem o qual a vida perde o sentido.

9. Não é o problema do auto-engano, do auto-desconhecimento, seu maior problema, dele, do evangélico brasileiro, ao mesmo tempo evangélico, liberal e marxista. Seu maior problema é conceder-se-a si mesmo essa carga iniludível de incoerência - mas negá-la categoricamente a qualquer outro que não o de sua mesma espécie. Porque, se se trata de outra tribo, as emoções dele constituem engano do diabo e ele só não sabe que sua religião é uma fraude cognitiva porque está cego!

10. Enquanto isso, lê-se algures: faça ao outro o que queres seja feito a ti...

11. Também aí - e devia ser diferente? - grassa a incoerência!








OSVALDO LUIZ RIBEIRO

PS. Cleinton, agende o analista!

Um comentário:

Jones F. Mendonça disse...

Osvaldo,

Tenho acompanhado suas reflexões. Não há como discordar que a religião é fenômeno humano. Que o cânon cristão foi uma decisão arbitrária. Mais ainda: Todos, no fundo, fazem uma leitura seletiva dentro desse cânon, admitam ou não.

Minha dúvida. Como seria, em termos práticos, essa religião "educada"?

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