terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

(2012/199) De um artigo de Boff: "o Espírito chega antes do missionário"




1. Não é novo - é de 30/06/2008. Foi publicado no Caderno JB Onipião, A, e tenho acesso a ele pelo blog História das Religiões e Religiosidades, da Prof. Dra. Cláudia Andréa Prata Ferreira, da UFRJ. Estava no meu arquivo de coisas a fazer, e, uma vez que estou limpando minha máquina, re-encontrei-o.

2. O artigo/opinião "O Espírito Chega Antes do Missionário" pode ser lido no site do próprio Boff. Abaixo, transcrevo Boff em vermelho, e, logo abaixo, comento em azul.

O Espírito chega antes do missionário

Leonardo Boff 

Um dos efeitos do processo de mundialização - que vai muito além de sua expressão econômico-financeira – é o encontro com todo tipo de tradições espirituais e religiosas. Instaurou-se um verdadeiro mercado de bens simbólicos no qual os vários caminhos, doutrinas, cerimoniais, ritos e esoterismos são oferecidos para atender à demanda de um número crescente de pessoas, geralmente, fatigadas pelo excesso de materialismo, racionalismo, consumismo e superficialismo de nossa cultura convencional. 

Questões que me parecem pertinentes: 1. a "mundialização" não se dá por força da cristianização do mundo? 2. A mundialização cristã-ocidental não começa ainda na vigência da "Cristandade", séculos antes do "materialismo" e do "racionalismo"? 3. O "consumismo" não se dá já na origem da mundialização, com a sede cristã-ocidental pela sede, pelas especiarias, pelo ouro? 

Por detrás deste fenômeno há uma busca humana a ser entendida e também a ser atendida. O espiritual e o místico, à revelia das predições dos mestres da suspeita como Marx, Freud e Nietzsche, estão voltando com renovado vigor. Eles revelam uma dimensão esquecida do ser humano, vista pelos modernos, mais como expressão de patologia do que de sanidade. Hoje, entre os estudiosos das ciências da religião, ela está resgatando sua cidadania. Tem seu assento na razão sensível e cordial que não substitui mas completa a razão científico-calculatória. Nela se elaboram os grandes sonhos e surgem as estrelas-guias que dão rumo à nossa vida. A religião desvela o ser humano como projeto infinito e lhe brinda o objeto adequado que o faz descansar: o Infinito. 

Questões que me parecem pertinentes: 1. em que sentido se pode dizer que "o espiritual e o místico" estão voltando, se eles nunca se foram? Nenhum dos cavalheiros citados disse que o espiritual e o místico haviam se ido - nenhum, em nenhum lugar. Pelo contrário: denunciaram que, a despeito de "Deus" ter "morrido", a humanidade ainda se relacionaria com ele durante muito tempo. 2. Em que sentido, então, se pode falar de "dimensão esquecida do ser humano" - a meu ver, nenhuma. 3. Do que os modernos falaram - e quem foram - quando se referiram ao patológico na religião? Freud, por exemplo: não é, de fato, neurose, a vivência do mito religioso alienado da consciência de que se trata justamente disso, de mito? 4. a negação da dimensão patológica da religião não traduz, já, uma patologia? 5. Os termos em que o resgate da "cidadania" da religião é descrita (no texto), não se trata de uma simples inversão da tese marxista (todavia, ela mesma, ainda, uma tese marxista), incorrendo no mesmo risco de polarização funcional do fenômeno religioso? 6. O que significa dizer que "a religião desvela o ser humano como projeto infinito"? Que religião? Do que se está falando? 

Os cristãos têm especial dificuldade no diálogo com as religiões. Sustentam a crença de que são portadores de uma revelação única e de um Salvador universal, Jesus Cristo, o Filho de Deus encarnado. Em alguns, esta crença ganha foros de fundamentalismo, dizendo, sem atalhos, que fora do Cristianismo não há salvação, repetindo uma versão de cariz medieval. Outros, a partir da própria Bíblia e de uma reflexão teológica mais profunda, sustentam que todos os seres humanos, também o cosmos, estão permanentemente sob o arco-iris da graça de Deus. Para os primeiros onze capítulos do Gênesis, nos quais não se fala ainda em Israel, como “povo eleito”, todos os povos da Terra, são povos de Deus. Isso permanece válido até os tempos atuais. 

Questões que me parecem pertinentes: 1. depois de se refutar o diagnóstico de patologia que alguns discursos modernos apresentaram ao fenômeno religioso, tratar os 12 primeiros capítulos da Bíblia como uma narrativa aplicável ao mundo e à humanidade deve ser interpretada como o quê? Se romance, seria bom sabê-lo - aí, tudo é permitido. Se política, com política se responde (cf. as batalhas retóricas entre judeus e palestinos, tendo por base a tradição de Israel e da Filistéia). Mas, se se pretende que aí haja alguma "base" de racionalidade... 2. A tentativa de furar o bloqueio fundamentalista, mas pela manutenção do regime fundamentalista, não produzirá, contra a intenção do usuário, que seja, o mesmo efeito? 3. No fundo, o argumento do texto não obriga a que todos os povos do mundo se vejam à luz da "doutrina" do Deus judeu-cristão? Em que isso difere, fundamentalmente, do fundamentalismo? 

Ademais, dizem as Escrituras que o Espírito enche a face da Terra, perpassa a história, anima as pessoas a praticarem o bem, a viverem na verdade e a realizarem a justiça e o amor. O Espírito chega antes do missionário. Este, antes de anunciar sua mensagem, precisa reconhecer as obras que este Espírito fez no mundo e prolongá-las. 

Questões que me parecem pertinentes: 1. "o Espírito chega antes do missionário" - no fundo, não estamos diante do mesmo mecanismo de catequese utilizado pelos jesuítas? É possível conceber que o problema dos jesuítas eram os jesuítas, e não a sua estratégia. mas que, a mesma estratégia, nas mãos de gente "melhor", dará melhores frutos? No fundo, a tese não "empodera" os missionários, conquanto pareça, à primeira vista, "desempoderá-los"? Porque se pode perguntar quem é o portador da Escritura e da doutrina que ensina a nós todos sobre esse "Espírito"... 

O Cristo não pode ser reduzido ao espaço palestinense. Ao assumir o homem Jesus de Nazaré, o Filho se inseriu no processo da evolução, tocou a realidade humana e ganhou uma dimensão cósmica. Coube ao teólogo franciscano Duns Scotus na idade média e a Teilhard de Chardin nos tempos modernos apontar que o Filho está presente na matéria e nas energias originarias e que foi densificando sua presença na medida em que se realizava a complexidade e crescia a consciência até irromper na forma de Jesus de Nazaré. Esta individuação não diminiu seu caráter divino e cósmico, de forma que pode irromper, sob outros nomes e sob outras figuras que revelam em suas vidas e obras a cercania do mistério de Deus. Para evitar certa “cristianização”do tema, podemos falar, como o fazem grandes tradições, da Sabedoria/Sofia. Ela está presente na criação, na vida dos povos e especialmente nas lições dos mestres e sábios. Ou se usa também a categoria Logos ou Verbo que revela o momento de inteligibilidade e ordenação do universo. Ele não fica uma Energia impessoal mas revela suma subjetividade e suprema consciência. 

Questões que me parecem pertinentes: 1. e o fato de Scotus e de Chardin elaborarem racionalizações mitológicas com base na tradição alegórica cristã tem o que a dizer sobre a realidade? Onde se quer chegar com isso? Como assim "um Cristo cósmico"? Se um cristão quer pensar-se à luz de sua fé, vá lá, mas construir elaborações político-teológicas em que todos e tudo esteja implicado não carrega em seu ventre atitudes de máxima presunção e arrogância epistemológicas, que se justificam, apenas, no fato de que fundamentalismo por fundamentalismo, se pode encontrar a versão hard e a versão light? 2. Em que se sentido se pode tomar uma racionalização teológica específica - a doutrina judaica da Sabedoria -, aceitar a sua racionalização mitológico-alegórica para a "criação" e, daí, extrair máximas para o mundo? Qual o nome desse "movimento"? 3. Em que sentido se pode separar a Sabedoria/Palavra (Sabedoria, Eclesiástico/Baruque) do Verbo (João), se o Verbo nada mais é do que a substituição do objeto original de encarnação daquela Sabedoria-Palavra, a Torá, pelo novo, Jesus? 

Estas visões ancoram nossa vida num sentido bom que nos permite suportar os avatares desta cansada existência. 

Questões que me parecem pertinentes: 1. Em que sentido se pode falar de "sentido bom", quando é a minha particular leitura mitológico-moral, mitológico-política, mitológico-teológica que se sobre-eleva sobre todo o mundo e sobre todos como abóbada de cosmovisão absoluta - o "Espírito", o "Filho-Verbo"? Partiu-se, já, de uma posição que, no fundo, é a mesma posição do Cristianismo de pedra que se quer criticar?

3. Os leitores perceberão que me ponho numa posição epistemológica e crítica que não me permite concordar com as declarações programáticas de Boff. Terei, ao menos, ainda, condições de entendê-las?

4. Outro dia, assisti a um vídeo de uma sacerdotisa da Umbanda em que ela comentava, em tom muito sentido, que não entendia porque tanta incompreensão por parte dos cristãos, se o deus dela era o mesmo deus dos cristãos. "Como assim", pensei eu? Aquela mulher de dores revelou-me a sutilíssima prisão noológica e epistemológica que, lentamente, a teologia cristã vai construindo. Na aparência de pluralidade - e falo dos que usam o termo "pluralidade" - na aparência de diversidade, no fundo, reside o fenômeno de reduzir o outro ao mesmo, e de dar sentido ao que o outro faz, tornando-o idêntico ao que eu faço.

5. Não vejo muita diferença entre o artigo de Boff e um púlpito evangélico ou católico clássico. As cores da sala, vá lá, parecem outras: mas se trata, ainda, do mesmo cômodo. Não se deu um verdadeiro passo à frente. E temo que se manifeste aí aquela síndrome que se vê nas batalhas de crente contra crente: lá, tudo errado, cá, tudo acertado...

6. Cristo cósmico... Deus nos livre de teologias assim... Tão bonitinhas na aparência, mas olha o tamanho da boca que ela tem...



OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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