sexta-feira, 25 de maio de 2012

(2012/467) Quando a crise (teológica) vem


1. O que fazer, quando a crise teológica se instala?

2. Com meus 25 anos de jornada teológica acadêmica (19 dos quais como professor), acho que tenho alguma experiência. Não vou dar receita de bolo, mas apresentar algumas sinalizações.

3. Primeiro: quando a crise teológica se instala, curta-a. Ela vai passar. Tudo na vida passa, e a crise passará. Por isso, curta a crise. Pense a respeito dela, memorize os dramas que ela provoca, procure guardar na memória os sentimentos que ela suscita. De preferência, escreva. Não meça palavras, escreva. Vomite tudo no papel. E guarde. Um dia, você se verá quando em pleno parto...

4. Segundo: quando a crise teológica se instala, não a supervalorize. A crise não é nem o objetivo nem o fim da Teologia. É uma etapa. Importante. Necessária, eu diria. Mas não é um fim em si mesma. Assim, não faça dela o que ela não é. Não a subestime nem a superestime. Olhe para ela e deixe ela saber que você sabe que ela está ali - mas faça com que ela saiba que você está no controle. A crise se dá na Teologia. Mas a crise não é a Teologia...

5. Terceiro: quando a crise teológica se instala, é porque alguma coisa em você já se preparara para ela. Alguns espíritos não a experimentam, seja porque são refratários à crítica, seja porque têm outra forma de viver a religião e o mundo. Mas os espíritos que sofrem a crise teológica sofrem-na porque já a tinham sob a forma de ovo dentro de si. Foi o momento, a circunstância que fez eclodir o ovo. Assim, reconheça a crise como parte de você: ao contrário de um organismo parasita, um ser estranho, a crise é sua outra metade, desabrochando.

6. Quarto: quando a crise teológica se instala, faça como Maria: guarde as coisas em seu coração. Não as jogue fora. Não as engula com a boca. Guarde-as no coração. Espere, pacientemente, para ver aonde as coisas vão dar. Observe o caminho.

7. Quinto: quando a crise teológica se instala, aprofunde-a. Não, não a deixe sobre a mesa - encare-a de frente, olho no olho. Se a crise suspeita de que há algo atrás do muro, dê a volta e olhe lá atrás, ou suba no muro e olhe do outro lado. Não fuja da crise, enfrente. Crise é suspeita - transforme a suspeita em pesquisa, em estudo. Crise é mina: cave. Crise é asa: voe. Crise é mar: navegue. Crise é vida: envelheça.

8. Sexto: quando a crise teológica se instala, aproveite para analisar sua visão de mundo. Há crises que não passam de chiliques de seminarista. Mas há crises cosmogônicas - essas são as verdadeiras: a gente entra um dentro delas, nosso mundo é uma coisa, quando as experimentamos, mas quando saímos, somos outra pessoa, nosso mundo foi destruído e recriado - por nós mesmos. A criação foi uma crise, se o posso dizer.

9. Sétimo: quando a crise teológica se instala, fique feliz. Seu dinheiro foi bem empregado. Olhe seus mestres e sorria: fizeram seu trabalho. Olhe para o letreiro, onde se escreve o nome de sua Faculdade, e sinta orgulho. Há lugares de ensino teológico onde se castram pessoas, coíbem-se crises, demonizam-nas, onde reproduzem dogmas e doutrinas de mil anos na cabeça oca de um povo assustado. Ali, pensar é pecado, saber, danação. Ali é lugar onde a crise é o ovo do diabo. Na sua Faculdade, não: crise é parto, crise é nascimento, crise é libertação.

10. Quando alguém se dirigisse ao balcão de atendimento de um curso de Teologia, deveria perguntar assim: ei, moça, quanto custa a crise? Tanto. E você pagaria. À vista ou à prestação. E, sentado na escada que leva ao segundo andar, se esperaria pela passagem da primeira crise.

11. A fila é enorme.

12. E não dói?

13. Dói. Mas logo adormece e fica apenas uma sensação dorida e gostosa, uma nostalgia do dia que ainda não chegou.


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

PS. "Quando chegar a crise à tua porta, beije a boca de seu amor e durma em seu abraço, quando a aurora despontar à sua frente" (1,1).

Um comentário:

António Je. Batalha disse...

Olá amigo Osvaldo, gostei de seu blog e desde já quero dar-lhe os parabéns, Sou Antonio Batalha portugues e gostava de lhe fazer um convite: Tenho um blog Peregrino e servo, e se desejar fazer parceria me deixava muito honrado em tê-lo como meu amigo virtual, claro que vou retribuir. Obrigado e tudo de bom.

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