(2012/666) Pra que serve a leitura crítica da Bíblia? - para pastores que demonizam a leitura rigorosa do texto bíblico

1. A leitura crítica da Bíblia, para mim, serve para duas coisas.

2. Quando eu digo "para mim", eu não quero dizer "na minha opinião", como quem tecesse, desde fora, comentários sobre a leitura crítica.

3. "Para mim", aí, significa "na minha experiência", porque leitura crítica da Bíblia é a única coisa que eu faço.

4. O adjetivo "crítico" seria desnecessário - leitura, para mim, ou é crítica, porque interessada no sentido histórico do texto, ou não é "leitura". Quando se quer saber se uma pessoa é mais do que um analfabeto funcional, vê-se se ela sabe entender o que um texto quer dizer. No caso da Bíblia, para você tentar entender o que o texto - seus autores - quiseram dizer, você precisa dizer que é leitura crítica, de tanta alegoria e embromação que o mundo conhece e de que as livrarias estão abarrotadas. Mas se poderia simplesmente dizer ler historicamente. Ler histórico-criticamente... Ler para entender. Ler para ouvir.

5. Na minha experiência, portanto, a leitura da Bíblia - leitura histórico-crítica -, serve para duas coisas:

a) entender o que os autores e autores quiseram dizer - essa é minha "religião".

b) salvar-se das garras de "gerentes de boca", "homens de deus" que se arvoram em messias, em apóstolos, em papas, em "pastores", que acham que podem determinar o que Deus pensa, quer e diz, que controlam massas e multidões pela crença, pela fé, pela ingenuidade. Nenhum deles resiste à leitura crítica, porque só faz leitura crítica quem já se libertou. Por isso, têm horror à leitura crítica, porque ela liberta a ovelha do redil, liberta o gado do curral...

6. E nada disso era preciso.

7. Não fora a invenção do controle das pessoas pelo "ungido"; fosse a igreja, de fato e verdadeiramente, uma comunidade de libertação e liberdade; fosse a comunidade de crença uma comunidade pedagógica, de autonomização das pessoas; se fosse, mesmo, de verdade, um lugar de gente livre - e não é nada disso, então não se precisaria temer a leitura crítica, porque isso nada diria do modo de ser das lideranças evangélicas. Mas, como os pecados políticos dos sacerdotes da Bíblia se repete nos "homens de Deus" de hoje, quando você lê e desarma o jogo bíblico, você automaticamente lê e desarma o jogo político das comunidades...

8. Não era preciso.

9. A culpa não é da leitura crítica. Conheci um pastor e fui ovelha de um pastor cuja leitura crítica da Bíblia não era problema, nunca foi, não é verdade, Jairo Silvestre? No púlpito daquela comunidade nasceu minha dissertação de mestrado, crítica, desconstrutiva da tradição, e nasceu lá, no púlpito, a convite dele.

10. Eu só cansei. Não vale a pena. Foi um golpe de sorte aquele encontro. Mas é raro, e não vou me desgastar, não mesmo, que estudar a Bíblia com seriedade demanda tempo e energia, energia que não vou gastar com enfrentamentos inúteis em comunidades presas pelo dogma e pela política pastoral.

11. Não vale a pena.

12. Mas insisto: todo pastor que demoniza a leitura crítica da Bíblia tem, no fundo, é medo de ela revelar a consistência de seu domínio bíblico, de revelar o fato de que ali, dizendo tratar-se de Bíblia, se prega, apenas, tradição mal e mal manejada, enganação, retórica, negligência...

13. Repito: a culpa não é da leitura crítica.

14. A culpa é da qualidade pastoral, cada vez pior, que, não podendo suportar a leitura do próprio livro sagrado, inventa para ele uma leitura cada vez mais acomodada aos jogos sacerdotais, de massa, de catarse...

15. Resistirei. Esperarei. Se os dias maus passarem, passaram. Se não passarem, não terei deixado o vento mau desses dias lamber a minha face... Não, não vou deixar.

16. E, enquanto resisto, estudo. É, no fundo, uma espécie de monasticismo meu, de refúgio no deserto - monastério da resistência, deserto da pesquisa...

17. Eu, monge.

OSVALDO LUIZ RIBEIRO