sábado, 22 de setembro de 2012

(2012/691) "Tudo que seu mestre mandar...": Deus é bom, Deus é bom, Deus é bom"...


1. Dez numa sala. Um dará o tom. Os outros irão segui-lo. Talvez haja uma disputa inicial, para ver quem é que será o macho ou a fêmea alfa, mas, decidida essa questão estrutural, todos os demais irão atrás - "tudo que seu mestre mandar...".

2. (Fico feliz em saber que há, sempre exceções - não as houvesse, estaríamos, todos, ainda, nas cavernas).

3. Descartadas as exceções, eis o roteiro da vida: João fala, e todo mundo repete.

4. Por exemplo: antes do século VI a.C., o "João" de Judá dizia que Deus não era nem bom nem mau e que era bom e mau ao mesmo tempo, tudo junto, que nem o rei, dá na telha fazer o que é bom, faz, dá na telha fazer o que é mau, faz, e lá vai o "João" de Judá escrever Is 45,7 e garantir que Deus faz a bênção e faz a desgraça, traduzindo, dá saúde e dá doença, dá trabalho e dá fome, dá casa e dá túmulo, dá vida e dá morte, ele, só ele, mais ninguém, e, mais tarde, pôr isso na boca do personagem dos personagens, mulher, ele diz, o Senhor deu, o Senhor tomou, é assim que é...

5. Se "João" dizia assim, então era assim. A fila de gente a repetir "João" não acabava nunca. Deus é bom, Deus é mau, Deus não é nem bom nem mau, ele é como o rei, faz o que quer, cantavam de dia, de noite, de manhã, de tarde, ao nascer, ao morrer. Houvesse facebook lá, se escreveriam essas coisas com fontes tamanho 24, para que todo mundo soubesse: Deus é bom, Deus é mau, Deus não é nem bom nem mau, Deus é como o rei...

6. Um dia, deram de ensinar a "João", e "João" creu, que se um Deus é bom, ele só pode ser bom, mas não pode se mau. Foi, de fato, um choque. Mas "João", então, chamou Deus e teve uma conversa com ele, uma conversa sobre essa importante descoberta. Deus ouviu, demorou um pouco a aceitar, porque perderia necessariamente a sua soberania, porque que Deus é Deus e não pode fazer alguma coisa? Se Deus não pode fazer o mau, não é Deus, ora... Ele argumentou assim, tentou fazer "João" entender essa lógica teológica fundamental, mas "João" estava por demais interessado em atualizar a norma, de modo que Deus não teve outra alternativa a não ser mudar, a despeito de se dizer, mais tarde, que ele não muda, o que, em termos históricos, é tão verdade quanto dizer que a fé cristã é pura e não tem relação com nenhuma outra fé do entorno cultural de onde nasceu...

7. O fenômeno é óbvio: "João" passa a dizer, então, que Deus é bom, Deus é bom. E aquela fila de papagaios passa, agora, a papagaiar a nova onda teológica. Nunca mais vai-se dizer que Deus é bom e mau, nem bom nem mau, que ele é como rei. Não, Deus é bom, Deus é bom, Deus é bom - Deus é só bom...

8. Teologia e fé são como vinil arranhado: quando a agulha trepa no arranhão, você vai ouvir aquele som agarrado a vida toda - e vai pôr na janela, para todo mundo ouvir, porque você acha aquele som a coisa mais fantástica do mundo... É a melô do "João", a liturgia dos psittaciformes...




OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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