terça-feira, 9 de outubro de 2012

(2012/697) De deuses e poesia


1. Sem os deuses, podemos passar.

2. Sem poesia, não.

3. Mas, daí a fazer poesia com os deuses me parece apenas um modo de meter o pé em duas poças d'água, um modo de meter a cabeça a uma tenda, e o corpo a outra, de beber de duas taças de licor, de servir a dois senhores...

4. Eu duvido que haja no homem uma predisposição qualquer para os deuses. Que continuem as pesquisas.

5. Mas há, não duvido, em cada um de nós, a predisposição para a poesia, o mistério, a transfiguração, a metafísica, o sobrenatural, o mágico, o lúdico, o feérico...

6. Que tudo isso tenha se condensado na ideia de deuses é acidente histórico... Foi esse acidente histórico que deu corpo e lugar aos deuses. Não é verdade (tese que defendo) que tenham sido os deuses a produzir o acidente histórico: o contrário é que é histórico.

7. Mas, uma vez dado o acidente, uma vez surgido do circunstancial a ideia do divino, pronto, tomou vida a ocupou cadeira, trono e coroa...

8. Mas se pode perfeitamente descobrir esse segredo e superá-lo, viver sem os deuses...

9. Não, todavia, sem o acidente que os engendrou dentro de nossa cabeça...

10. A isso se chame, então, o propriamente humano: a fantasia necessária, a criatividade das ideias, que se podem descolar da realidade e viver nelas, como que de pão, e ainda mais do que de pão...

11. O que me parece grotesco é, todavia, aquele homem que, sabendo disso, faz, todavia, com os deuses, poesia.

12. Pergunto-me: no fundo, a quem quer ele agradar...



OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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