quarta-feira, 26 de setembro de 2012

(2012/696) Uma defesa de Lula - Requião na tribuna do Congresso.

1. Clap! Clap! Clap!



Não costumo assinar manifestos, abaixo-assinados ou participar de correntes. Mas quero registrar aqui minha solidariedade a Luís Inácio Lula da Silva, por duas vezes presidente do Brasil. 

Diante de tanto oportunismo, irresponsabilidade, ciumeira e ressentimento não é possível que se cale, que se furte a um gesto de companheirismo em direção ao presidente Lula. Sim, de companheirismo, que pouco e me dá o deboche do sociólogo. 

A oposição não perdoa, e jamais desculpará a ascensão do retirante nordestino à Presidência da República. 

A ascensão do metalúrgico talvez ela aceitasse, mas não a do pau-de-arara. Este, não!

Uma ressalva. Quando digo oposição, o que menos conta são os partidos da minoria. O que mais conta, o que pesa mesmo, o que é significante, é a mídia, aquele seleto grupo de dez jornais, televisões, revistas e rádios que consome mais de 80 por cento das verbas estatais de propaganda. Aquele finíssimo, distintíssimo grupo de meios de comunicação “que está fazendo de fato a posição oposicionista deste país, já que a oposição está profundamente fragilizada”, como resumiu com a sinceridade e a desenvoltura de quem sabe e manda, a senhora Maria Judith Brito, presidente da Associação Nacional dos Jornais. 

Este conjunto de articulistas e blogueiros desfrutáveis que faz a “posição oposicionista” nos meios de comunicação usa uma entrevista que não houve para, mais uma vez, tentar indigitar o ex-presidente. Primeiro, tivemos o famosíssimo grampo sem áudio. Mais hilário ainda: a transcrição do áudio inexistente mostrava-se extremamente favorável aos grampeados. Um grampo a favor. E sem áudio.

Lembram? 

Houve até quem quisesse o impeachment de Lula pelo grampo sem áudio e a favor dos grampeados, houve até quem ameaçasse bater no presidente. 

Agora, este mesmo conjunto de jornais, rádios, televisões e revistas, esses mesmos patéticos articulistas e blogueiros querem que se processe o ex-presidente. Não me expresso bem: não querem processá-lo. Querem condená-lo, pois como a Rainha de Copas, de Lewis Carol, primeiro a forca, depois o julgamento. 

Recomendaria a vossas excelências que tapassem o nariz, não fizessem conta dos solecismos, da pobreza vocabular, das ofensas à regência verbal e lessem o que escreve esse exclusivíssimo clube de eternos vigilantes. 

Os mais velhos de nós, os que acompanharam o dia-a-dia do país antes do golpe de 64, vão encontrar assustadores pontos de contato entre o jornalismo e o colunismo político daquela época com o jornalismo e o colunismo político dos dias de hoje. Embora, diga-se, os corvos de outrora crocitassem com mais elegância que os grasnadores de agora.

Fui governador do Paraná nos oito anos em que Lula presidiu o Brasil. Por diversas vezes, inúmeras vezes, manifestei discordância com a forma de sua excelência governar, com suas decisões ou indecisões. Especialmente em relação à política econômica, à submissão do país ao capitalismo financeiro, aos rentistas. 

Mas havia um Meireles no meio do caminho. No meio do caminho, para gáudio da oposição e para a desgraça do país, havia um Meireles. 

É verdade que Lula acendeu uma vela também para os pobres. E não foi pouco o que ele fez. É preciso ter entranhados na alma o preconceito, a insensibilidade e a impiedade de nossas elites para não se louvar o que ele fez pela nossa gente humilde. Na verdade, no fundo da alma escravocrata de nossas elites mora o despeito com a atenção dada aos mais pobres por Lula.

Apenas corações empedrados por privilégios de classe, apenas almas endurecidas pelos séculos e séculos de mandonismo, de autoritarismo, de prepotência e de desprezo pelos trabalhadores podem explicar esse combate contínuo aos programas de inclusão das camadas mais pobres dos brasileiros ao maravilhoso mundo do consumo de três refeições por dia.

A oposição –somem-se sempre a mídia com a minoria, mas o comando é da mídia- também não perdoa Lula porque ele sempre a surpreendeu, frustrou suas apostas, fez com que ela quebrasse a cara seguidamente.

Foi assim em 2002, quando ele se elegeu; foi assim em 2006, quando se reelegeu; foi assim na crise de 2008, quando ele não seguiu as receitas daqueles gênios que quebraram o Brasil três vezes, entre 1995 e 2002, e impediu que a crise financeira mundial levasse também o nosso país de roldão. E, finalmente, foi assim em 2010, quando elegeu Dilma como sucessora.

O desempenho da oposição –isto é, mídia e minoria, sob o comando da mídia- na crise de 2008 foi impagável. Caso alguém queira se divertir é só acessar um vídeo que corre aí pela internet com uma seleção de opiniões dos economistas preferidos dos telejornais, todos recomendando a Lula rigor fiscal extremo, austeridade e ascetismo dos padres do deserto; corte nos gastos sociais, cortes nos investimentos, elevação dos juros, elevação do depósito compulsório, congelamento do salário mínimo, contenção dos reajustes salarial, flexibilização dos leis trabalhistas, diminuindo direitos dos assalariados.

Enfim, recomendavam, como sempre aconselham, atar os trabalhadores ao pelourinho, tirar-lhes o couro, para que os bancos, os rentistas, o capital vadio restassem incólumes e seus privilégios protegidos. Receitavam para o Brasil o que a troika da União Européia enfia goela abaixo da Grécia, da Espanha, da Itália, de Portugal. 

Lula não fez nada do que aqueles doutores prescreviam. Em um dos vídeos, um desses sapientíssimos senhores ridicularizava os conhecimentos macroeconômicos do presidente, prevendo que o “populismo” e o “espontaneísmo” de Lula levariam o Brasil ao desastre. Pois é.

A acusação mais frequente que se fazia, e se faz, a Lula é a de ser “populista”. A mesmíssima acusação feita a Getúlio quando criou a CLT, o salário mínimo, as férias e descanso remunerados, a previdência social; a mesmíssima acusação feita a João Goulart quando deu aumento de cem por cento ao salário mínimo ou quando sancionou a lei instituindo o 13° salário ou quando criou a Sunab; ou quando desencadeou a campanha das reformas; a mesmíssima acusação feita a Juscelino quando ele decidiu enfrentar o FMI e suas infamantes condições para liberação de financiamento.

Qualquer coisa que beneficie os trabalhadores, que dê um sopro de vida e de esperança aos mais pobres, que compense minimamente os deserdados e humilhados, qualquer coisa, por modesta que seja que cutuque os privilégios da casa grande, qualquer coisa, é imediatamente classificada como “populismo”. 

Outra coisa que a oposição não perdoa em Lula é sua projeção internacional. Quanto ciúme, meu Deus! Quanto despeito! Quanta dor de cotovelo! A nossa bem postada, e sempre constispadinha elite, jamais aceitou ver o país representado por um pau-de-arara. Ainda mais que não fala inglês. Oh, horror!

Divergi de Lula inúmeras vezes. Quase sempre em relação à econômica. Com a popularidade que tinha, com o respeito que conquistara, com a força de seu carisma poderia ter feito movimentos consistentes que nos levassem a romper com os fundamentos liberais que orientavam -e orientam- a política econômica brasileira.

E que mantinham – e mantém- o país dependente, atrasado, em processo veloz de desindustrialização. 

Pior, as circunstâncias favoráveis do comércio mundial valorizaram ainda mais o nosso papel de produtores e exportadores de commodities, criando uma “zona de conforto” que desarmou os ânimos e enfraqueceu os discursos de quem lutava por mudanças.

Outra divergência que me agastou com Lula foi em relação à mídia. Era mais do que claro que a lua-de-mel inicial com a chamada “grande imprensa” seria sucedida pela mais impiedosa e, em se tratando de um pau-de-arara, pela mais desrespeitosa oposição.

Em breve tempo, as sete irmãs que dominam a opinião pública nacional cobrariam caro, caríssimo o período em que fora obrigada a engolir o sapo barbudo. O troco viria na primeira crise.

Conversei sobre isso com o presidente, que procurou me aquietar e recomendou-me que falasse com um de seus ministros que, segundo ele, cuidava desse assunto. E o ministro me disse: “Por que criar um sistema público de comunicação, por que apoiar as rádios e a imprensa regional se temos a nossa televisão? A Globo é a nossa televisão”, disse-me o então poderoso e esfuziante ministro.

Pois é. 

Quando busco paralelo entre esta campanha de tentativa de destruição de Lula e as campanhas de destruição de Getúlio e Jango, não posso deixar de notar que eles, pelo menos, tinham um jornal de circulação nacional e uma rádio pública também de alcance nacional para defendê-los. Hoje, que temos? 

E o que entristece é que essa campanha atinge Lula quando ele se encontra duplamente fragilizado. Fragilizado pela doença, que lhe rouba um de seus dons mais notáveis: a sua voz, a sua palavra, seu poder de comunicação. Fragilizado pelo espetáculo mediático em que se transformou o julgamento do tal mensalão. 

Se algum respeito, se alguma condescendência ainda havia para com esse pau-de-arara, foi tudo pelo ralo, pelo esgoto em que costumam chafurdar historicamente os nossos meios de comunicação. 

Não sejamos ingênuos de pedir ou exigir compostura da mídia. Não faz parte de seus usos e costumes. Sua impiedade, sua crueldade programada pelos interesses de classe não estabelece limites. 

Não é apenas o ex-presidente que é desrespeitado de forma baixa, grosseira. A presidente Dilma também. Por vários dias, a nossa gloriosa grande mídia deu enorme destaque às peripécias de uma pobre mulher, certamente drogada, certamente alcoolizada, certamente deficiente mental que teria tentado invadir o Palácio do Planalto, dizendo-se “marido” da presidente.

Sem qualquer pudor, sem o menor traço de respeito humano, a Folha de São Paulo, especialmente, transformou a infeliz em personagem, em celebridade. Chegou até mesmo a destacar um repórter para “entrevistar” a mãe da tal mulher. Meu Deus!

Às vésperas do golpe de 1964, o desrespeito da grande mídia para com o presidente João Goulart e sua mulher Maria Teresa chegou ao ponto de o mais famoso colunista social do país à época publicar uma nota dizendo que na Granja do Torto florescia uma trepadeira. Torto, como referência ao defeito físico do presidente; trepadeira, como referência caluniosa à primeira-dama do país.

Alguma diferença entre um desrespeito e outro?

Esse tipo de baixeza não se vê quando os presidentes são do agrado da grande mídia, quando os presidentes frequentam os mesmos clubes que os nossos guardiões dos bons costumes. 

Nem que tenham, supostamente, filhos fora do casamento, que disso a mídia acha uma baixeza tratar.

Pois é.




OSVALDO LUIZ RIBEIRO

domingo, 23 de setembro de 2012

(2012/695) Do "Deus plataforma de embarque"


1. Para meu interesse aqui, divido o mundo teológico-religioso em dois grupos: a) os que acreditam mesmo que, quando falam em Deus, estão falando "dele", de Deus e b) os que sabem que, quando falam de "Deus", estão, na verdade, apenas usando um código de linguagem para falar de si mesmos, de seus sonhos, utopias, valores. Veja: estou falando de religiosos e teólogos - não estou falando nem de agnósticos (céticos) nem de ateus.

2. Deixo um dos grupos de lado e pego, para analisar, o outro - o grupo que sabe que, quando está falando de "Deus" está, na verdade, falando de si mesmo, de seus sonhos e medos - ou seja, aquele grupo que, mesmo sem confessar, é feuerbachiano até a próstata e o útero.

3. "Deus" aí me parece uma "plataforma de embarque". As pessoas desse grupo "encontram-se" nessa plataforma. É preciso que cada um deles, para encontrar-se com o "outro", precise estar ele mesmo nessa plataforma, bem como que o outro igualmente se ponha de pé sobre o chão de cimento teológico.

4. A palavra "Deus" e o que ela significa parece uma "senha", um teletransportador, uma plataforma de trem - só se pode encontrar os outros com a senha, o teletransportador, o trem. Você "entra" no trem, parado na plataforma, e, então, o outro passa a existir. Mas, se você não entra no trem, se o outro não entra, nem você nem ele existem...

5. O que dá ocasião ao encontro não é a carne e o sangue, a cara e a vida de um e de outro - mas essa "senha". Você sai de si, vai até a plataforma, materializa-se lá, espera que o outro vá para lá com você e, então, tanto você quanto o outro passam a existir, e se encontram, e se emocionam.

6. Mas se você não vai, se o outro não vai, se um dos dois não vai, não há encontro, não há vida...

7. São, ambos, feuerbachianos, mas não levaram a sério o fato de o ser. Sabem que se trata de projeção, mas a descoberta da projeção vale tanto quanto a sua não descoberta. Não aprenderam nada.

8. O primeiro grupo, porque acha que quando fala em "Deus", é de Deus mesmo que se trata, esse não aceita por um segundo sequer a tese de "Deus" como projeção, de modo que é compreensível que "Deus" - que para ele é Deus - seja o vínculo de existência da vida e dos encontros humanos nela. 

9. Mas o grupo dois sabe que se trata de projeção - e todavia, é como se não soubesse, porque, se sabe, qual a razão para ainda pôr, entre si e o outro, essa tela amarelada e velha, essa necessidade antiga, essa distância fingida proximidade, essa alienação dos olhos, esse disfarce do outro?

10. E, depois de tudo, ainda se considera a mística algo epistemologicamente distinto da fé dogmática...





OSVALDO LUIZ RIBEIRO

(2012/694) De quando fazemos Deus ser a imagem de nossos interesses


1. Vou lidar aqui com a tradição do Antigo Testamento. Parte do que vou dizer tem sustentação apenas nesse tradição, porque os fatos históricos não se deram da forma como a tradição os conta. Todavia, como o que me interessa é justamente a forma como os "judeus" (uma parte deles) se viram e contaram a sua tradição (de forma sempre política, como programa de controle social), se há divergência entre as coisas tais quais se deram e a tradição não faz a menor diferença...

2. Pense-se o povo no Egito. Os textos pretendem que os tomemos em situação de escravidão, presos pelo Faraó mau. Escravos e sofridos, o povo clama a Deus, que os ouve. Deus, então, sendo quem aí se diz ser, ouve-os. E fica de todo comovido com o clamor do povo, que sofre, escravo que é, diz-se, na mão do Faraó mau. Mau, porque escraviza os outros, prende-os em grilhões e os faz sofrer.

3. Pois Deus não tolera isso. Pelo menos não "ainda", não aqui. O que ele faz? Desce e vem estar com o povo. Liberta-o e leva-o para uma casa nova. É verdade que, ao fazê-lo, Deus usa de matar muita gente, mas não vou aqui tratar disso. Quero apenas apresentar o perfil desse Deus - ele é libertador: a simples visão de um escravo o comove e, comovido, ele age em favor deles...

4. Veja bem - isso é como a tradição - "essa" - o "pinta". No fundo, ontem e hoje, são sempre tradições, e não se vá além delas...

5. Mas, então, eis que as tradições mudam. Em casa, agora, Israel é um povo soberano, com rei e castelo, templo e olivais - a vida lhe vai bem...

6. E tanto que, vejam vocês, o rei de Israel/Judá tem seus prisioneiros. O Sl 2 é bem essa história. O rei de Jerusalém tem reis sob seu domínio (e isso só pode ser tradição, naturalmente), e não são poucos. Muitos, eles querem libertar-se, romper seus grilhões. Israel, que era escravo, agora é rei, e o rei de Jerusalém é o "novo" Faraó mau...

7. Como o antigo Faraó mau, o novo Faraó mau não quer deixar seus escravos irem embora - ele os retém com correntes. Não, não vão embora!

8. E Deus, o libertador de escravos - como ele se comportará? Libertará os escravos?

9. Não - ele não apenas os liberta, como ainda por cima zomba deles...

10. Mudou. Não é mais o mesmo. Não é mais libertador de escravos. Pelo contrário, é escravagista. E, poderoso, aconselha aos novos escravos que se submetam, ou morrerão pelas botas de seu filho, o rei de Jerusalém, filho de Deus...

11. Eis a tradição: Deus é pintado da forma como interessa a quem o pinta. O pintor é escravo?, Deus é libertador de escravos... O pintor é senhor de engenho, rei, escravocrata?, Deus é escravocrata e senhor de engenho.

12. Sempre será assim - sempre. O Deus dos profetas é profético. O Deus dos sábios é sapiencial. O Deus dos sacerdotes é sacerdotal. Deus e as manias de Deus. Deus e as vontades de Deus, suas normas. 

13. Não escrevi esse texto para conclamar as pessoas a terem de Deus a "ideia correta", porque não há uma "ideia correta" sobre Deus, já que sempre - sem exceção - todos nós sempre pintaremos Deus do nosso jeito. Você pode achar, jurar e sentir que "sabe" - mas não sabe, não: o que pensa de Deus é pura tradição, que você ama, é verdade, mas não é nada mais do que isso.

14. E, uma vez que não há como sair dessa situação - quero dizer: pensar em Deus é sempre inventar um modo de pensar nele, sempre a partir de nossos gostos, sempre projetando-nos nele -, restaria darmo-nos conta de que é preciso pensar "Deus" de tal forma que seja bom para todos os homens, mulheres e crianças do planeta: construir juntos uma ideia tão plural que já não haja mais ingenuidade em nenhum de nós, a tentar enganar-se e aos outros com a ideia de um "Deus" acima da construção histórica.




OSVALDO LUIZ RIBEIRO

sábado, 22 de setembro de 2012

(2012/693) Nota da Presidenta Dilma Rousseff sobre comentário de Joaquim Barbosa






“Na leitura do voto, na sessão de ontem do Supremo Tribunal Federal, o senhor ministro Joaquim Barbosa se referiu a depoimento que fiz à Justiça, em outubro de 2009. Creio ser necessário alguns esclarecimentos que eliminem qualquer sombra de dúvidas acerca das minhas declarações, dentro dos princípios do absoluto respeito que marcam as relações entre os Poderes Executivo e Judiciário.

Entre junho de 2001 e fevereiro de 2002, o Brasil atravessou uma histórica crise na geração e transmissão de energia elétrica, conhecida como “apagão”.

Em dezembro de 2003, o presidente Lula enviou ao Congresso as Medidas Provisórias 144 e 145, criando um marco regulatório para o setor de energia, com o objetivo de garantir segurança do abastecimento de energia elétrica e modicidade tarifária. Estas MPs foram votadas e aprovadas na Câmara dos Deputados, onde receberam 797 emendas, sendo 128 acatadas pelos relatores, deputados Fernando Ferro e Salvador Zimbaldi.

No Senado, as MPs foram aprovadas em março, sendo que o relator, senador Delcídio Amaral, construiu um histórico acordo entre os líderes de partidos, inclusive os da oposição. Por este acordo, o Marco Regulatório do setor de Energia Elétrica foi aprovado pelo Senado em votação simbólica, com apoio dos líderes de todos os partidos da Casa.

Na sessão do STF, o senhor ministro Joaquim Barbosa destacou a ‘surpresa’ que manifestei no meu depoimento judicial com a agilidade do processo legislativo sobre as MPs. Surpresa, conforme afirmei no depoimento de 2009 e repito hoje, por termos conseguido uma rápida aprovação por parte de todas as forças políticas que compreenderam a gravidade do tema. Como disse no meu depoimento, em função do funcionamento equivocado do setor até então, “ou se reformava ou o setor quebrava. E quando se está em situações limites como esta, as coisas ficam muito urgentes e claras.


Dilma Rousseff
Presidenta da República” 






OSVALDO LUIZ RIBEIRO

(2012/692) Incoerente, mas incoerente mesmo, é...


1. O sujeito é crítico - epistemologicamente crítico. No fundo, ou se é epistemologicamente crítico, ou se usa a crítica como biombo para esconder outra nudez. Mas esse, não: esse é epistemologicamente crítico.

2. Quando ele toma o texto bíblico a ler, não aplica a crítica apenas ao texto - aplica à vida: há coisas que definitivamente não existem, não acontecem, são mágicas, míticas, quimeras, fantasias. Assim, se ele lê que a mula fala, automaticamente ele identifica o texto como fábula, ou, coisa pior, uma narrativa em que alguém pretendia manipular pessoas, ou, não pior, mas tão grave quanto, uma narrativa que quem escreveu acreditava mesmo em mulas que falam.

3. Mula que fala é só um exemplo. Tudo o que é fantástico e sobrenatural é razão para o crítico trazer à cultura, e desvendar a chave de leitura: o sujeito faz política?, arte?, literatura?, é doido?

4. O não-crítico é outro caso. Conservador, fundamentalista, tradicional, homem de fé - aqui, substituo todos esses rótulos por outro, em oposição ao rótulo anterior: ele é o não-crítico.

5. Como assim mulas não falam? Se Deus quiser, elas cruzam com você e nasce um messias! Para o não-crítico - e não importa o modo como ele produza sua leitura, o que está escrito é o que está escrito, e se o Sol parou, é porque parou, a Nasa até já fez as contas (aqui, isso não é piada!).

6. Eu entendo o crítico e entendo o não-crítico. Coloco-me, claro, ao lado dos críticos, mas entendo a cabeça do não-crítico, porque já fui um: todo aluno de classe de catecúmenos sai de lá um não-crítico, porque aquilo é modelo fordista de produção. Mas, depois, os parafusos caem...

7. O que eu não entendo é o não-crítico crítico.

8. É uma espécie dessas esquisitas. Ele é não-crítico: logo, para ele, a mula de Balaão falou. Ele tem um ouvido de parabólica - qualquer coisa que qualquer um fale, ele confere na Bíblia. E, para desmontar o que qualquer um fala, ele usa... grego e hebraico!

9. É divertidíssimo. Ele usa grego e hebraico, é até mestre, às vezes, há alguns doutores, também, para provar, exegeticamente... que a mula falou. É um peixe, não é uma baleia, não é um monstro - estão disputando os não-críticos críticos, consultando a raiz e a subraiz, o tronco e o trocado, a decidir que foi aquilo que comeu Jonas, guardou-se no goela por três dias e, um pré-Jesus, vomitou-o na praia, porque se foi peixe, baleia ou monstro, isso depende de você perguntar ao não-crítico-crítico A, ao não-crítico-crítico B ou ao não-crítico-crítico C, porque, que alguma coisa engoliu, guardou e vomitou Jonas, isso é fato, fato veraz e garantido pelas excelências do Espírito!

10. É um fenômeno psicológico...



OSVALDO LUIZ RIBEIRO

(2012/691) "Tudo que seu mestre mandar...": Deus é bom, Deus é bom, Deus é bom"...


1. Dez numa sala. Um dará o tom. Os outros irão segui-lo. Talvez haja uma disputa inicial, para ver quem é que será o macho ou a fêmea alfa, mas, decidida essa questão estrutural, todos os demais irão atrás - "tudo que seu mestre mandar...".

2. (Fico feliz em saber que há, sempre exceções - não as houvesse, estaríamos, todos, ainda, nas cavernas).

3. Descartadas as exceções, eis o roteiro da vida: João fala, e todo mundo repete.

4. Por exemplo: antes do século VI a.C., o "João" de Judá dizia que Deus não era nem bom nem mau e que era bom e mau ao mesmo tempo, tudo junto, que nem o rei, dá na telha fazer o que é bom, faz, dá na telha fazer o que é mau, faz, e lá vai o "João" de Judá escrever Is 45,7 e garantir que Deus faz a bênção e faz a desgraça, traduzindo, dá saúde e dá doença, dá trabalho e dá fome, dá casa e dá túmulo, dá vida e dá morte, ele, só ele, mais ninguém, e, mais tarde, pôr isso na boca do personagem dos personagens, mulher, ele diz, o Senhor deu, o Senhor tomou, é assim que é...

5. Se "João" dizia assim, então era assim. A fila de gente a repetir "João" não acabava nunca. Deus é bom, Deus é mau, Deus não é nem bom nem mau, ele é como o rei, faz o que quer, cantavam de dia, de noite, de manhã, de tarde, ao nascer, ao morrer. Houvesse facebook lá, se escreveriam essas coisas com fontes tamanho 24, para que todo mundo soubesse: Deus é bom, Deus é mau, Deus não é nem bom nem mau, Deus é como o rei...

6. Um dia, deram de ensinar a "João", e "João" creu, que se um Deus é bom, ele só pode ser bom, mas não pode se mau. Foi, de fato, um choque. Mas "João", então, chamou Deus e teve uma conversa com ele, uma conversa sobre essa importante descoberta. Deus ouviu, demorou um pouco a aceitar, porque perderia necessariamente a sua soberania, porque que Deus é Deus e não pode fazer alguma coisa? Se Deus não pode fazer o mau, não é Deus, ora... Ele argumentou assim, tentou fazer "João" entender essa lógica teológica fundamental, mas "João" estava por demais interessado em atualizar a norma, de modo que Deus não teve outra alternativa a não ser mudar, a despeito de se dizer, mais tarde, que ele não muda, o que, em termos históricos, é tão verdade quanto dizer que a fé cristã é pura e não tem relação com nenhuma outra fé do entorno cultural de onde nasceu...

7. O fenômeno é óbvio: "João" passa a dizer, então, que Deus é bom, Deus é bom. E aquela fila de papagaios passa, agora, a papagaiar a nova onda teológica. Nunca mais vai-se dizer que Deus é bom e mau, nem bom nem mau, que ele é como rei. Não, Deus é bom, Deus é bom, Deus é bom - Deus é só bom...

8. Teologia e fé são como vinil arranhado: quando a agulha trepa no arranhão, você vai ouvir aquele som agarrado a vida toda - e vai pôr na janela, para todo mundo ouvir, porque você acha aquele som a coisa mais fantástica do mundo... É a melô do "João", a liturgia dos psittaciformes...




OSVALDO LUIZ RIBEIRO

(2012/690) Para finalmente entender, em linguagem clara, a "crise financeira mundial"


1. Já tentou-se explicar de todo jeito essa "crise" financeira mundial, que a Globo e seus satélites explicam como se devendo ao fato de que empregados querem ganhar mais do que merecem e precisam, e que, se a CLT fosse "flexibilizada", a vida seria muito melhor, porque Getúlio se matou mas deixou o livro grosso amarelo bem vivo.

2. Não adiantou muito, porque os "especialistas" que a Globo e seus bonecos de ventríloquo disseram era muito difícil de engolir, além de que foi pronunciado numa linguagem técnica, em especialitês, com aqueles arqueamentos de sobrancelha e esgares de boca que só a Waldvogel sabe fazer, enquanto se pergunta o que diz para sair da enrascada em que se meteu com esse entrevistado que não se pauta pela cartilha dada em off.

3. Assim, só mesmo com o humor inglês...

4. Porque, quando a Rainha não está comandando um Império que começa no nascente e termina no poente, eles estão, ou tomando chá, ou gestando a nova safra dos Beens.

The Last Laugh
Subprime




OSVALDO LUIZ RIBEIRO

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

(2012/689) Armas, Germes e Aço, documentário da National Geographic (parte 3/3)


1. A última parte de Armas, Germes e Aço, de Jared Diamond, em documentário da National Geographic.



Armas, Germes e Aço
Jired Diamond
(3/3)

IMPERDÍVEL















OSVALDO LUIZ RIBEIRO

(2012/687) Armas, Germes e Aço - documentário da National Geographic (parte 2/3)


1. Armas, Germes e Aço, de Jared Diamond - a história da "evolução" humana nos últimos 13.000 anos: uma história de sorte geográfica - a favor da Eurásia.



Armas, Germes e Aço 
Jared Diamond
(2/3)

 IMPERDÍVEL

















 OSVALDO LUIZ RIBEIRO

(2012/686) Armas, Germes e Aço - documentário da National Geographic (parte 1/3)


1. Já encomendei meu Armas, Germes e Aço, de Jared Diamond, que, pelas sinopses que li, vou devorar sofregamente - maravilha de pesquisa. Ganhou o prêmio Pulitzer! Mas, o que me interessa mesmo é o fato de tratar-se de uma tentativa de história de longa duração sobre a espécie humana nos últimos 13.000 anos. Não vejo a hora de começar a ler... Por exemplo, dos 14 animais domesticados pelo homem, úteis ao trabalho para o homem, nenhum está na África, nenhum na Austrália, nenhum na Oceania, nenhum na América do Norte - apenas um, a lhama, na América do Sul e todos os demais - ovelha, cavalo, porco, boi etc., na Eurásia: não, a vantagem da Europa e do Oriente Médio sobre o resto do mundo, há 10.000 anos, não tem nada a ver com raça - é pura sorte geográfica...

2. Mas dá pra ter um gostinho e uma excelente ideia do que se vai encontrar lá. A National Geographic fez um documentário muito bom, muito bom mesmo. Você pode "adiantar" as coisas...

3. Se eu sou professor de História, a aula seriam esses filmes e o dever de casa seria completar uma partida em mapa "huge" de Civilization V.

Armas, Germes e Aço
Jared Diamond
(1/3)

IMPERDÍVEL


















 OSVALDO LUIZ RIBEIRO

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

(2012/685) Fragmentos facebookianos (DOIS)

I.

Minhas generalizações "agridem" pessoas sensíveis. Criticam-me, porque ponho todos no mesmo saco, por assim dizer. Todavia, a crítica que me fazem é, ao mesmo tempo, uma generalização que meus críticos fazem, de modo que o pau com que dão em mim cai-lhes na cabeça...

O que generalizo - os homens e as mulheres? Não. Mas generalizo, tem sido o caso, os "religiosos". Digo que todos são iguais, potencialmente perigosos - e, nisso, sou criticado como generalizador, apesar de dizer-se que, em linhas gerais, concordam comigo...

Quando digo que toda religião é potencialmente perigosa, refiro-me ao estatuto epistemológico de TODAS elas: são heterônomos e dogmáticas, "platônicas", reveladas... O fiel é sempre fiel a alguém, que se diz representante dos deuses.

A maioria delas, diz amar porque os deuses mandam. Acham isso lindo. Eu não acho. É perigoso fazer qualquer coisa, mesmo boa, porque os deuses mandam, porque quem faz as coisas porque os deuses mandam, é capaz de fazer qualquer coisa que os deuses mandam.

E tanto é assim, que, nos púlpitos, louva-se Abraão pela sua "fé", a ponto de matar o próprio filho... PELAMORDEDEUS! Que mensagem é essa que se dá? Se lucidez?, sanidade? Não - loucura.

E vou ficar desarmado diante de um religioso, cara de santo, só porque ele diz que Deus é amor? Não - ele também diz que Deus mandou matar o filho e o fiel ia matar...

Não é por outra razão que matamos história afora...

Generalizo o estatuto epistemológico da religião sim. Porque não há exceção. Nenhuma. Todas são potencialmente perigosas.

Acho mais que a defesa intransigente da religião, sem a afirmação clara de que toda ela é potencialmente perigosa para todos e para qualquer um é que revela uma recusa de transparência.

II.

Não chegaria ao discurso de Voltaire, próximo-maçônico, de que se deve ensinar o povo a crer num Deus que castiga crimes, a despeito de se saber que as doutrinas são, todas, umas deformidades intelectuais.

Concordo com a segunda parte, integralmente, mas não concordo com a primeiro.

Penso que deveríamos buscar uma religiosidade lúcida, branda, enfraquecida, tênue, "quenósica" (esvaziada), e extrairmos o melhor dessa atitude humana - religião não é outra coisa além de atitude humana, trabalhada socialmente.

Não me verão escrever contra isso, salvo se alguém disser que essa é a "verdadeira" religião ou verdadeira forma de crer em Deus - verdadeiro coisa nenhuma: é criação cultural, reflexão sobre que forma de religiosidade poderia servir para uma sociedade tolerante, plural, fraterna.

O cristianismo, definitivamente, não serve para uma sociedade plural aberta. Nem o islamismo. Nem o judaísmo. Nenhum dos três. Se eles podem sobreviver numa sociedade aberta? Podem, desde que não sejam poder: se são, caçam todas as demais fés.

Bem, o melhor que inventamos até agora foi o Estado laico com liberdade de religião. Deu seu jeito: mas as religiões fortes não aprenderam nada.

Abra o jornal e descubra por si mesmo...


III.

Não acredito que orar por horas, dias, semanas, surta algum efeito. Podem discordar - não tem problema.

Quando estou por demais aflito, dou-me o direito de pedir a Deus mil e oitenta vezes - mas sempre sou ciente de minha loucura, mesmo nesse momento, em que, ciente de estar louco, dou-me o direito da loucura.

Mas que não faz sentido orar, orar, orar, orar, orar - não faz, não.

Se meu filho me pedir uma coisa mais do que duas vezes, tem algo errado - ou com ele, ou comigo.

Mas faça como achar melhor... Não faz a menor diferença...




OSVALDO LUIZ RIBEIRO

(2012/684) Armas, Germes e Aço - minha próxima leitura


1. Acabei de pedir a Bel para comprar pra mim: Armas, Germes e Aço - os destinos das sociedades humanas, de Jared Diamond.

2. Um fã incorrigível de jogos de estratégia de civilização - como o insuperável Civilization V -, estou ansioso para começar a ler essa história natural da sociedade humana, explicada com base nas vantagens competitivas dos continentes...





OSVALDO LUIZ RIBEIRO

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

(2012/683) As religiões são todas iguais? Sim e não


1. As religiões são todas iguais? Sim e não.

2. Sim - as religiões são todas iguais.

3. Não, as religiões não são todas iguais.

4. Em que são todas iguais? No sentido em que são - todas, sem exceção - construções histórico-culturais, isto é, que nascem no tempo e dependem tanto da cultura onde nascem, que recebem e onde se desenvolvem. 

5. Nisso em que todas são iguais, nada há nelas, me nenhuma delas, que não seja radicalmente humano - isto é, que tenha suas raízes na condição humana, antropológica, sociológica, psicológica. Nada. Nem os deuses, os anjos, nada, porque todos esses seres de espírito são elaborações da cultura, que os transporta e os trata como seres metafísicos (evidentemente que os efetivamente metafísicos, se os há, são-nos inacessíveis, logo, inapreensíveis e inefáveis - de onde decorre aquela máxima budista: se encontrares Buda, mata-o).

6. Seja africana, grega, israelita, árabe, chinesa, americana, oceânica, do norte, do sul, de onde quer que seja, são, todas, iguais.

7. E em que são diferentes? São diferentes em sua retórica, que está diretamente relacionada aos conteúdos de cada uma. Há as religiões intrinsecamente tolerantes - geralmente, politeístas. Por que as religiões politeístas tendem a ser mais tolerantes? Porque sempre cabe mais um deus e, logo, maus um culto e, logo, mais um religioso - é do sistema a diversidade.

8. Já as monoteístas, tendem a ser intolerantes. "Tendem". E, aqui, há que se fazer uma observação: o conteúdo monoteísta é intolerante, intrinsecamente intolerante. "Só pode haver um" - e arrancam-se as cabeças a todos os outros deuses. Em decorrência disso, quanto mais fundamentalista a comunidade, mais intolerante. Nem todo judeu, cristão e/ou muçulmano é necessariamente intolerante - aqueles que, em sua experiência pessoal, já assumiram controle sobre a fé, esses conseguem dizer não à carga intrínseca de intolerância do dogma e, a despeito dele, reconhecem direitos nos outros religiosos.

9. Aqueles, todavia, que vivem cegamente a sua doutrina, que se submetem incondicionalmente aos dogmas, são, compreensivelmente, intolerantes, e essa intolerância pode chegar às raias da violência física - expressando-se diariamente na forma de violência simbólica: o lado de cá, é Deus, o de lá, o diabo - retórica de púlpito que reforça o estado de intolerância dessa porção da fé.

10. Assim, enquanto acadêmico que sou, insisto: todas as religiões são iguais - todas, seja o candomblé, seja o cristianismo, seja o budisMo, seja o Santo Daime.

11. Todavia, enquanto homem político e republicano, insisto: não, nem todas as religiões são iguais, porque algumas são carregadas de intolerância.

12. Pois há que se ser intolerante com a religião intolerante: não tem direito de ser a religião que não dá ao outro o direito de ser - principalmente se essa religião é aquela que alega que a regra áurea de sua fé é fazer ao outro o que gostaria que fizessem com ela...

13. Além de intolerante, é hipócrita.

14. Assim como meu direito à vida co-determina o direito à vida de todo ser humano, o direito à existência de uma religião co-determina o direito à existência de todas as demais.

15. Isso deveria ser um valor intrínseco de todas as religiões. Algumas não o reconhecem. Para elas, no mínimo, a Justiça. 



OSVALDO LUIZ RIBEIRO

domingo, 9 de setembro de 2012

(2012/682) Pobre diabo...


1. Qualquer um que sinta o desejo de compreender de onde vem as suas ideias e doutrinas pode aprender como surgiu a doutrina do mal e do diabo entre nós, cristãos. É uma história muito interessante...

2. Aqui, quero apenas provocar.

3. A atual (porque houve outra, antes da atual, a anterior sendo abandonada por conta de sua utilização pelos gnósticos) doutrina da origem de Satanás diz que ele era um anjo de Deus. 

4. Vamos aceitá-la por um minuto.

5. Deus, então, cria um anjo. De repente, esse anjo deseja ser igual a Deus. Bem, de onde veio esse desejo? Se antes do diabo não há diabo para o tentar, o dragão de costas largas para nele se jogarem todas as culpas, inclusive as de Deus, de onde veio o mal do mal?

6. Nenhuma outra doutrina cristã é tão mal-feita quanto essa.

7. Para ensinar a desgraça universal do homem, que todos os homens nascem degenerados, inventou-se de pôr Satanás encarnado na serpente e, assim, "explicar", com esse jeito catequético acrítico, o mal da espécie... O homem era até bom, mas Satanás o corrompeu...

8. É? E quem foi o mal que corrompeu o mal? Quem foi a serpente do diabo? Quem tentou Satanás para que ele, nos termos da atual doutrina do mal, "pecasse"?

9. Ele mesmo, dirá o bom teólogo. Bem, se ele mesmo, das duas uma: ou é um deus ou o "defeito" veio de fábrica...

10. Se é um deus, somos politeístas - e no fundo o somos... Se o defeito veio de fábrica, não há culpa alguma nem em Satanás nem em nós, salvo o fato de essa teologia de dois milênios e meio fazer de nós joguetes miseráveis na mão do clero...

11. Preferia que o diabo fosse um deus - daria para torcer ou por sua vitória ou por sua derrota. Mas ele é apenas uma criatura de Deus, como você e eu. E, pelo que Deus fez dele, chego a ter pena de Satanás...




OSVALDO LUIZ RIBEIRO

sábado, 8 de setembro de 2012

(2012/681) E lá na sala do trono...


_ Pai, acabei de saber que o senhor finalmente libertou aquele pastor, como é mesmo o nome dele?

_ Yousef Nadarkhani?

_ Isso...  Yousef Nadarkhani. Demorou, não?

_ Ah, sim, deu trabalho - três anos...

_ Demorou a se decidir?

_ Um pouco isso e um pouco o fato de, você sabe, eu ter que quebrar algumas regras...

_ Refere-se a...?

_ Bem, não é fácil fazer essas coisas.

_ Ainda tem problemas com o faraó?

_ Um pouco disso. Eu tenho algum escrúpulo de mexer na vontade das pessoas...

_ Mas, pelo jeito, fez, de novo...

_ Sim, tive que violar a liberdade dos juízes.

_ Mas, se não fazes isso, eles matam o pastor que eu mandei evangelizar o mundo...

_ Pois é: você me arrumou esse problema... Entre deixar matarem o pastor que você mandou evangelizar o mundo e eu violar a liberdade dos juízes muçulmanos, violei...

_ Pra isso és Deus, Pai!

_ Sim, mas isso vai dar muita dor de cabeça para os batistas lá embaixo, e, você sabe, eu tenho uma relação muito especial com eles...

_ Tem, mas não a levas muito a sério...

_ Mas, meu filho, acabei de dizer: se eu não violo a liberdade dos juízes, eles matam o sujeito!

_ Mas, pai, se tu podes violar a vontade deles, para fazer com que eles libertem o pastor que eles mesmos prenderam, por que simplesmente não viola a liberdade de todos e os faz, você mesmo, sem pôr em risco a vida dos cristãos, me aceitarem? Céu para todos, Pai! Estalas o dedo e se escancara a porta...

_ Meu Filho!, mas aí...

_ É, mas aí... Tu me matas, dizes que se não me aceitam, morrem, dizes que eles mesmos devem me aceitar, livremente, tens todo escrúpulo de não os violar na sua liberdade, mas, aqui e ali, quebras tua própria regra, violando a vontade das pessoas...

_ Não me lembres meus pecados, Filho!

_ Não preciso, Pai. Os batistas, lá embaixo, agora mesmo estarão constrangidíssimos de comemorarem a tua libertação do pastor e, ao mesmo tempo, com isso darem alguns pontos para seus arqui-inimigos, os presbiterianos: porque, no fundo, Pai, acabas de dizer que é sempre como tu queres: se se está na prisão, é porque tu deixas, porque tu podes livrar, mas só livra quem tu queres, e, se podes violar um juiz, doze, cem, podes pôr todos no céu, mas não queres, e vais deixar a maioria no inferno... Não é uma situação boa para a luta entre liberdade e eleição, entre liberdade e soberania...


_ Meu Filho!, não é uma boa coisa para a Ética! Eleição e soberania, nessas horas, é piada...

(...)

_ Escuta, Esculápio está lá dentro? Chama-o, que me deu dor de cabeça...




OSVALDO LUIZ RIBEIRO

(2012/680) Para não se dizer que não falei de Yousef Nadarkhani

1. Pensei se valeria a pena, pensei, pensei... Vou provocar, sim. Alguém precisa dar o contra-ponto, porque o facebook e a Internet vai se encher de "aleluias" e aqueles posts com letras tamanho 20...

2. Refiro-me à libertação de Yousef Nadarkhani. 

3. Por ele, pela sua pessoa, fico feliz. Ninguém deve ser morto por conta de religião - ainda que ele não estava preso por isso, mas por ir contra a lei...

4. Ah, a lei... É o que evangélicos quererão mudar, daqui a pouco, e, aí... 

5. Mas não quero mudar de assunto.

6. Em termos histórico-políticos, não foi Deus quem o libertou. Foi a pressão internacional - inclusive brasileira.

7. Quando um homem-bomba explode e mata 10, 30, 100 pessoas, cristãs, inclusive, Deus não faz nada - deixa morrer. Mas Deus foi lá e salvou o pastor que estava evangelizando um povo muçulmano, onde é proibido fazê-lo... Você vê sentido nisso? 

8. Deus é engraçado - tem um modo estranho de agir.

9. Há uns duzentos mil presos no Brasil, indevidamente - ou porque são inocentes, ou porque já deviam estar livres. Deus não os liberta - vai libertar o pastor que está evangelizando, onde não devia... Você vê sentido nisso?

10. Na Idade Média, quando Deus mandava em tudo, a gente dele matou muito, torturou mais ainda - torturou-se mais do que se matou - e ele não fez nada, assistiu. Mas, agora, vai lá e salva o pastor que estava evangelizando, onde não podia. Você vê sentido nisso?

11. Não, senhores. Não é nada saudável essa espiritualização da coisa. É um erro, um equívoco.

12. Felizmente, não morreu. Fico, sinceramente, feliz. Mas não vou entrar no bloco do "Deus salvou". Chega a ser um pecado. 



OSVALDO LUIZ RIBEIRO

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

(2012/679) Cher Lloyd - Turn my Swag on em sua primeira audição - quando a palavra calouro perde completamente todo o sentido


 

1. Posso ouvir isso 100 vezes. Posso ver Cher Lloyd cantar isso 1.000 vezes. Cher Lloyd estava pronta, inteira. O jurado que não a aprovasse seria reprovado. Ela sequer estava participando do concurso - era mais uma apresentação de gala...

2. Irretocável.

3. Se preferir, salte direto para 1:25, onde começa o show, o espetáculo, o fantástico e extraordinário... Mas tem que assistir...








OSVALDO LUIZ RIBEIRO

(2012/678) Das estratégias da self deception - quando mitos passam a ser como se não fossem


1. Primeiro, a "ortodoxia" - ela não tem a mínima ideia do que é isso, mas é assim que ela se auto-entende - reage a tudo que é novo e lhe é antagônico.

2. Quando começou a circular, desde o século XIX, que os textos bíblicos eram "mito", a virulência dos ataques a quem expressava essa ideia era visceral.

3. Livros foram - e ainda são (porque sempre tem quem se mantenham vivendo como que há cem anos atrás!) - escritos para negar a condição mítica de histórias em que a serpente fala, o sol pára, a mula fala, a baleia, ops, não, um peixe grande!, engole um homem, ele fica vivo, é vomitado e fica vivo, não, nada disso é mito, tudo é histórico e verdadeiro, Deus é grande, aleluia!

4. O Sol, todavia, não dá bom dia a ninguém, que não nasce por causa de nenhum de nós, de quem desconhece a existência... Assim, a roda da fortuna girou e a condição de mito das narrativas bíblicas vai se tornando do conhecimento até do reino mineral. Vai-se tornando cada vez mais prova de ignorância e apego ao obscurantismo a desinteligência de que esses textos são míticos...

5. Chega, então, a hora de mudar a estratégia.

6. Como podem ser mitos e eu ainda posso continuar a crendo a mesma coisa?

7. Simples: mito não é mentira, mito é uma forma diferente de dizer uma verdade...

(pausa para eu morrer de rir)

8. Assim, a serpente falando é mito, mas isso é verdade em sentido profundo, e o homem é mesmo danado, degenerado, pervertido, perdido, vai pro inferno e aceite Jesus...

9. Mudou o quê?

10. Nada.

11. A isso se chama apologia, a isso se chama educação, a isso se chama fidelidade, a isso se chama fé.

12. Chamo por outro nome: auto-engano, self deception.

13. Só nao sei explicar por que uns se salvam disso e outros, não.

14. Às vezes, é Freud quem explica, às vezes, é Marx, às vezes, o salário. Acho que cada um tem suas próprias razões para afundar em sua própria crença, contra tudo, contra todos, contra si mesmo.



OSVALDO LUIZ RIBEIRO

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

(2012/676) Do som, do sentido e do sensível - da linguagem como coisa do corpo


1. Primeiro foi o ar. Sempre foi o ar, desde o primeiro de nós, entrando e saindo de nós, e tanto, e tão intensamente, e tão marcantemente nosso que virou mito um dia, mais tarde, depois: ruah, ruah, ruah... Somos de terra, da terra, mas é o ar que nos põe de pé...

2. Depois foram os fonemas. O cérebro de três meses pós-útero lida com eles - os fonemas. Não, ele não tem a mínima ideia do que são, do que significam, mas os codifica, um a um, sem que a criança que guarda em seu crânio essa massa espantosa tenha a mínima ideia do que acontece ali e com ela...

3. Então, vem o sentido. Não, senhores, acabaram-se os grunhidos - urros, só de dor, ou de gozo, quando regressamos ao animal que nunca deixamos de ser... Mas eis a era do sentido, do significado que se vincula a esse som: carambola, e eis, todos que a comemos um dia sentimos o seu gosto na boca... E os que nunca a morderam na boca e experimentaram seu sumo se perguntam que gosto terá essa coisa da terra...

4. O som, o fonema e o sentido são mais do que linguagem. Todos, absolutamente tolos os que acham que isso se resume a linguagem, etérea e metafísica fastasmática criatura de nada. Tolos. A linguagem é corpo. Anotem: corpo. Eu digo uva, e sua boca sabe o gosto, a cor, eu digo ventre, e sua mão lembra o veludo, sente a penugem, eu digo coxa, e você sabe do calor que ali se resguarda - e tanto e tão intenso que o coração, agora, já dispara... E tanto sabe, que espera que eu diga a próxima palavra - ventre, coxa, ... -, e eu não digo...

5. Linguagem! Tolos pós-teólogos metafísicos, cuidando tratar-se de filosofia é, ainda, teologia de anjos. Linguagem é corpo - é cérebro, é traqueia, é pulmão, é diafragma, é língua, língua, senhores, língua, senhoras, língua!... E não digo mais nada, que o limite entre a insinuação erótica e o constrangimento rubicundo é tênue...

6. Está pronta a era da magia: o som, a praga, a palavra, o encantamento, o poder e o medo do ar que sai do corpo do outro... Não me olhes com esses olhos - corpo -, não me digas essas palavras - corpo -, não me mate nem me amaldiçoe...

7. É o máximo de seu poder na era do ar... A memória guardará alguma coisa das palavras, mas, eis, cadê as palavras primeiras?, cadê?, onde?, desapareceram - e para sempre...

8. Pois, eis, então, a magia das magias, a sublimidade das sublimidades, a tecnologia das tecnologias - escrever o ar, pôr o ar no barro, na pedra, na cerâmica, na madeira, do papiro, no papel, na tela do computador... Linguagem! Tolos, mil vezes tolos aqueles que acreditam que a linguagem dissolve as coisas - tolos! Não apenas não dissolve - ela mesma é materializada em papel, em celulose, teclada na velocidade da luz e, desde essas coisas pintadas à mão, esses pedaços materiais de ar condensado, esses bocados lítios de significado,nós re-espiramos esse ar, re-inspiramos esse ar, se lemos com o corpo inteiro, ou imaginamos o som delas palavras que voam nesse furacão da boca, reproduzimos seu som - s - e - x - o - e, imediatamente sabemos do que se trata...

9. Magia.

10. Escrever, senhores, é um ato de magia, de corporeidade total, de consumo calórico, de investimento e desgaste de músculos, de nervos, de vida. Cada página escrita são dez mil células mortas de cansaço, três bilhões de neurônios marcados a ferro e fogo, em tempestades elétricas e orgias químicas - e os insensatos a dizer que linguagem é imaterial...

11. Nem se um Exu pintado à mão por Olorun baixasse em mim e falasse por meio de minha boca, nem assim seria metafísica a linguagem - a palavra: seria corpo. Nem que sobre anjos se falem em mil cantigas - é corpo. Nem que de Deus se escreva um tratado - é corpo. Corpo, corpo, corpo - como este que, aqui e agora, consome-se, em transe...

O Martírio do Artista
Augusto dos Anjos

Arte ingrata! E conquanto, em desalento,
A órbita elipsoidal dos olhos lhe arda,
Busca exteriorizar o pensamento
Que em suas fronetais células guarda!

Tarda-lhe a Idéia! A inspiração lhe tarda!
E ei-lo a tremer, rasga o papel, violento,
Como o soldado que rasgou a farda
No desespero do último momento!

Tenta chorar e os olhos sente enxutos!...
E como o paralítico que, á mingua
Da própria voz e na que ardente o lavra

Febre de em vão falar, com os dedos brutos
Para falar, puxa e repuxa a língua,
E não lhe vem á boca uma palavra!




OSVALDO LUIZ RIBEIRO

(2012/675) Com uma voz dessas, nem precisava ser bonita: Chelsea Redfern

1. Chelsea Redfern canta Purple Rain. Quanto eu digo canta, eu quero dizer, canta...











OSVALDO LUIZ RIBEIRO

(2012/674) Tears for Fears "versus"/"plus" Cher Lloyd

1. Tears for Fears - Shout.







 OSVALDO LUIZ RIBEIRO

(2012/673) Cordel encantado de minha caminhada


1. É tudo uma questão de quando você está, de onde você está, do dia, do ano, da estação - e isso faz toda a diferença, isso faz você ver as coisas de um jeito datado.

2. Hoje, eu diria que minha caminhada pode ser descrita por meio de duas canções - das quais me aproprio.

4 Non Blondes - What's up

U2 - I Still Haven't Found What I'm Looking for





OSVALDO LUIZ RIBEIRO

(2012/672) Vermelho - da cor de meu sangue, da cor de meu coração





(ouça diretamente no Youtube)







OSVALDO LUIZ RIBEIRO

(2012/671) A arriscada arte de escrever em blog


1. Quando se escreve um poema, um artigo, um conto, um livro, você não o escreve, simplesmente, você escreve, re-escreve e "tres"-escreve mil vezes, até que a forma emerja, divina. Essas coisas não são só conteúdo - são, sobretudo, forma...

2. Num blog, você escreve e publica... Não tem revisão. Não se escreve e espera vinte dias para publicar, um ano, dez... Escreveu, publicou.

3. Você pode comprar em leilões manuscritos das obras clássicas de poetas e escritores. A página está eivada de correções, riscos, rabiscos, parágrafos cortados, outros, acrescentados, sem contar as páginas que foram ao fogo do arrependimento...

4. Você jamais comprará versões originais de postagens de um blog. Cada postagem é o que foi, quando foi. Um dia, você relê o que escreveu, encontra erros, equívocos e, se está com paciência, corrige. Mas, o que lá está é exatamente o que saiu de sua cabeça. Na prática, um ato xamânico.

5. Um poeta, um escritor, é, primeiro, um xamã, depois, um ourives. Aqui, agora, não posso me dar ao luxo do trabalho da ourivesaria - é puro xamanismo: escrever, dar passagem ao ar que vem do fígado, e convertê-lo em palavras, frases, ideias...

6. Não é fácil.

7. É quase como a performance de rua...




OSVALDO LUIZ RIBEIRO


(2012/670) Jimmy é doutor!


1. Imaginei que Jimmy viesse ao blog do qual ele é co-blogueiro para anunciar a Boa Nova de grande alegria... Esperei, esperei, esperei...

2. Bem, eu mesmo, então, anuncio a Boa Nova: depois de quatro longos anos, depois de uma estadia - uma invejável estadia - de dois anos na França (Strasbourg), depois de centenas de livros lidos, depois de aprender francês e de ter gostado disso, depois de escrever e de defender sua tese "Dostoiévski – Consciência Trágica e Crítica Teológica da Modernidade – Subterrâneo, Tragédia e Negatividade Teológica", na PUC-Rio, semana passada, 29 de agosto de 2012, depois dessa longa jornada, Jimmy, meu amigo Jimmy é, finalmente, doutor - Doutor em Teologia.

3. Estive lá. Foi um momento - de quatro horas! - valioso. 

4. Parabéns, Jimmy. Ops!, parabéns, Senhor Professor Doutor Jimmy...

5. E, agora, já que não tem mais desculpas, quem sabe não encontre dez minutos para rabiscar alguma coisa nesse blog abandonado por vossa doutoradíssima excelência, heim?




OSVALDO LUIZ RIBEIRO

(2012/669) Confucionismo

1. Em Deus e os Homens, Voltaire, que, segundo Eduardo Guerreiro Losso, professor de Teoria da Literatura na UFRRJ, meu amigo e, agora, doutor Jimmy, chuta e xinga como um inverso-polar do time de seus "escolhidos" filósofos-teólogos, mas de quem eu gosto muito, quero dizer, tanto de Voltaire, o chutado, quanto de Jimmy, o chutador, Voltaire dizia, então, que a Europa andava a tomar a China como um país "ateu"...

2. Ora, talvez nunca tenha havido uma nação, uma tribo, um povo, ateu. O talvez, aí, não está a pôr em dúvida a questão - está apenas a dizer que nosso conhecimento histórico começa muito tarde: não sabemos se no período que ainda não conseguimos cobrir tenha havido uma nação ateia. Todos os povos, culturas e nações que conhecemos, nenhum, nenhuma, foi. Logo, para o período histórico documentado, é válido dizer: nunca houve povo ateu.

3. Mas o europeu "culto" - isto é, o europeu cristão - daquele século (XVIII), julgou tratar-se de uma nação ateia. Voltaire desanca a tese. Óbvio.

4. É que o confucionismo, religião de Estado, não é uma religião parecida com a cristã - muito pelo contrário. Ainda que o Cristianismo seja, à época de Voltaire, uma religião de Estado, seja católica, seja protestante, há um fosso enorme entre as duas religiões.

5. Se o teólogo cristão mede o conceito de religião por si mesmo, há de verificar que falta ao Conficionismo diversos elementos da religião cristã - e isso explica por que os religiosos da época, então, consideravam que não havia religião na China e, não havendo, não havia fé nem Deus e, não havendo, era ateu aquele Estado e ateu aquele povo...

6. Mas nada mais equivocado.

7. O Confucionismo precisa ser compreendido, em termos de sua auto-imagem, como a sobreposição e identificação entre Estado e "divindade" ou, entre Estado e "transcendência". Um cristão vive em peregrinação - está a caminho do "céu". A terra em que ele vive, a casa em que mora, o Estado sob o qual se protege, é, tudo, provisório, passageiro, sem valor... Para o confucionista, não: o sentido de sua vida é o lugar que lhe cabe no Estado. O Estado é, para todos os fins, a fonte de sentido de sua existência e o destino de sentido de sua vida.

8. Uma religião de ética, na qual o Estado encarna o transcendente. Em certo sentido, não é muito diferente das sociedades antigas, do Oriente Próximo, por exemplo e, até, da religião judaica, se tivermos boa vontade e preservarmos as devidas proporções.

9. No Sl 137, pede-se ao salmista que cante um dos cânticos de Sião. Mas ele não pode. Está em terra estranha. E daí? Yahweh não está ali. Yahweh é Deus de Jerusalém, e a criação é Judá - fora de Judá, o salmista encontra-se no caos, nas águas cosmogônicas - não há culto, ali, não há criação, não há sentido. Ele tem de voltar para casa. O mesmo vale para todas as nações daquela região: Babilônica, Egito, Assíria, Pérsia. A noção só vai se ampliar e esgarçar, até o rompimento, a partir do período imperialista - Pérsia, Grécia, Roma, Cristianismo, quando o fato de os Impérios ampliarem suas fronteiras a abrigarem tantos deuses não-nacionais obrigar a cultura a repensar a cosmovisão teológica.

10. Da mesma forma, a divindade sempre está "encarnada". No Egito, encarnada - literalmente, em Faraó. Na Babilônia, o sentido da encarnação da divindade se dá pelo conceito de imagem - o rei é a imagem do deus, e quem vê o rei, vê o deu. Em Israel, o sentido de encarnação da divindade se dá por meio da noção de ser o rei o filho de Deus.

11. Ora, vê-se que, para todos os fins, a nação e o próprio rei são a expressão da criação e da divindade, e fora da nação, o cidadão encontra-se fora de seu mundo de sentido, fora da existência - afundados nas águas do caos.

12. O Confucionismo leva essa antiga noção às suas mais materiais, culturais e políticas conclusões: o Estado é a expressão divina de sentido da existência. Serve-se aos deuses por meio do serviço ao Estado. Não há algo que você possa fazer além disso que o coloque em sintonia com o sentido de sua vida - é sendo o melhor de si em sua função na sociedade-Estado. Cada qual, em cumprindo suas funções sócio-estatais, encontra, aí, seu serviço aos deuses, o sentido de sua vida, o "sagrado".

13. O mandatário tem o "Mandato dos céus" - o que só já basta para conceber o Confucionismo como uma religião. Se ele, o mandatário, não possui as qualidades desse "mandato", seu governo torna-se difícil. O sentido da vida de cada súdito é compreendido como uma engrenagem em torno desse centro - o mandatário, de modo que cada ação "civil" é, em si, um rito "religioso".

14. A tradição judaico-cristã, e isso se viu na tese weberiana da relação entre capitalismo e protestantismo, conhece a recomendação a que se faça tudo como ao Senhor, mas o grau de mitologia religiosa é tal que, na medida em que se passa a agir civilmente, a dar sentido à cultura, tende-se à secularização, que, na ótica doutrinária e mitológica cristã - e de muitos filósofos ainda presos à lógica teológico-mitológico-metafísica da fé, traduz-se em perda de sacralidade, de sentido, em niilismo...

15. No Confucionismo, a secularização dos valores, da cultura, está pressuposta desde o início. O sagrado - o Estado como manifestação da divindade - traduz-se em profanização do sujeito descartado do "jogo": a sacralização não se mede pelo fato de assistir TV ou ir ao teatro, mas se essas operações se encontram em sintonia com o bem-estar previsto pelo Estado e o serviço obrigatório do "fiel".

16. Para um cristão, o mundo moderno é profano, é secular, é triste e desencantado: porque o cristão é um homem mitológico e medieval. Um confucionista permanecerá confucionista em uma colônia ultra-moderna em Marte - porque a colônia será expressão do Estado, e a função que ele exerce ali, seu culto e o sentido de sua existência.

17. Duas observações finais: a) entende-se que esse povo se torne pacato e "bovino", se posso usar essa expressão em sentido não pejorativo - e explica como os Estado Unidos puderam usar esses semi-escravos para construir as ferrovias a que hoje nos referimos como exemplo do gênio daquele povo cristão: esquecendo que tudo quanto ele fez, fez à custa de escravização e semi-escravização, seja de pretos, seja de chineses, seja de povos coloniais...

18. B) Trata-se de um sistema religioso que, naturalmente, concede ao "coletivo" uma considerável superioridade ontológica em relação ao sujeito, o que tem sido usado como indicação do caráter ditatorial do sistema.

19. Seja como for, não é aqui o lugar que vou discutir a questão. Apenas registrar que os homens precisam inventar formas de viver. Não há uma forma cultural dada - tudo é invenção, tudo é fantasia de sentido, mas fantasia necessária para funcionar como eixo de sentido para cada coisa que fazemos. O cristão quer ir pro céu. O confucionista vive nele. Não importa se o que pensam do "céu" seja tão diferente - para cada um, é seu céu e destino...

20. No fundo, todo confucionista é um monge - mas o monastério é o Estado inteiro, a criação como um todo. Não fosse tão mitológico, acho que o protestante típico, europeu, de países com Estado protestante, seria um tipo cristão de confucionista...







OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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